17 de dez. de 2010

Época de acender os palitos de fósforos guardados durante o ano...


A Pequena Vendedora de Fósforos
                           Hans Christian Andersen

Fazia um frio terrível; caía a neve e estava quase escuro; a noite descia: a última noite do ano.
Em meio ao frio e à escuridão uma pobre menininha, de pés no chão e cabeça descoberta, caminhava pelas ruas.
Quando saiu de casa trazia chinelos; mas de nada adiantavam, eram chinelos tão grandes para seus pequenos pezinhos, eram os antigos chinelos de sua mãe.
A menininha os perdera quando escorregara na estrada, onde duas carruagens passaram terrivelmente depressa, sacolejando.
Um dos chinelos não mais foi encontrado, e um menino se apoderara do outro e fugira correndo.
Depois disso, ela caminhou de pés nus - já vermelhos e roxos de frio.
Dentro de um velho avental carregava alguns fósforos, e um feixinho deles na mão.
Ninguém lhe comprara nenhum naquele dia, e ela não ganhara sequer um níquel.
Tremendo de frio e fome, lá ia quase de arrastos,a pobre menina, verdadeira imagem da miséria!
Os flocos de neve lhe cobriam os longos cabelos, que lhe caíam sobre o pescoço em lindos cachos; mas agora ela não pensava nisso.
Luzes brilhavam em todas as janelas, e enchia o ar um delicioso cheiro de ganso assado, pois era véspera de Ano-Novo.
Sim: nisso ela pensava!
Numa esquina formada por duas casas, uma das quais avançava mais que a outra, a menininha ficou sentada; levantara os pés, mas sentia um frio ainda maior.
Não ousava voltar para casa sem vender sequer um fósforo e, portanto sem levar um único tostão.
O pai naturalmente a espancaria e, além disso, em casa fazia frio, pois nada tinham como abrigo, exceto um telhado onde o vento assobiava através das frinchas maiores, tapadas com palha e trapos. Suas mãozinhas estavam duras de frio.
Ah! bem que um fósforo lhe faria bem, se ela pudesse tirar só um do embrulho, riscá-lo na parede e aquecer as mãos à sua luz!
Tirou um: trec! O fósforo lançou faíscas, acendeu-se.
Era uma cálida chama luminosa; parecia uma vela pequenina quando ela o abrigou na mão em concha...
Que luz maravilhosa!
Com aquela chama acesa a menininha imaginava que estava sentada diante de um grande fogão polido, com lustrosa base de cobre, assim como a coifa.
Como o fogo ardia! Como era confortável!
Mas a pequenina chama se apagou, o fogão desapareceu, e ficaram-lhe na mão apenas os restos do fósforo queimado.
Riscou um segundo fósforo.
Ele ardeu, e quando a sua luz caiu em cheio na parede ela se tornou transparente como um véu de gaze, ela pôde enxergar a sala do outro lado. Na mesa se estendia uma toalha branca como a neve e sobre ela havia um brilhante serviço de jantar. O ganso assado fumegava maravilhosamente, recheado de maçãs e ameixas pretas. Ainda mais maravilhoso era ver o ganso saltar da travessa e sair bamboleando em sua direção, com a faca e o garfo espetados no peito!
Então o fósforo se apagou, deixando à sua frente apenas a parede áspera, úmida e fria.
Acendeu outro fósforo, e se viu sentada debaixo de uma linda árvore de Natal. Era maior e mais enfeitada do que a árvore que tinha visto pela porta de vidro do rico negociante. Milhares de velas ardiam nos verdes ramos, e cartões coloridos, iguais aos que se veem nas papelarias, estavam voltados para ela. A menininha espichou a mão para os cartões, mas nisso o fósforo apagou-se. As luzes do Natal subiam mais altas. Ela as via como se fossem estrelas no céu: uma delas caiu, formando um longo rastilho de fogo.
"Alguém está morrendo", pensou a menininha, pois sua vovozinha, a única pessoa que amara e que agora estava morta, lhe dissera que quando uma estrela cala, uma alma subia para Deus.
Ela riscou outro fósforo na parede; ele se acendeu e, à sua luz, a avozinha da menina apareceu clara e luminosa, muito linda e terna.
- Vovó! - exclamou a criança.
- Oh! leva-me contigo!
Sei que desaparecerás quando o fósforo se apagar!
Dissipar-te-ás, como as cálidas chamas do fogo, a comida fumegante e a grande e maravilhosa árvore de Natal!
E rapidamente acendeu todo o feixe de fósforos, pois queria reter diante da vista sua querida vovó. E os fósforos brilhavam com tanto fulgor que iluminavam mais que a luz do dia. Sua avó nunca lhe parecera grande e tão bela. Tomou a nos braços, e ambas voaram em luminosidade e alegria acima da terra, subindo cada vez mais alto para onde não havia frio nem fome nem preocupações - subindo para Deus.
Mas na esquina das duas casas, encostada à parede, ficou sentada a pobre menininha de rosadas faces e boca sorridente, que a morte enregelara na derradeira noite do ano velho.
O sol do novo ano se levantou sobre um pequeno cadáver.
A criança lá ficou, paralisada, um feixe inteiro de fósforos queimados. - Queria aquecer-se - diziam os passantes.
Porém, ninguém imaginava como era belo o que estavam vendo, nem a glória para onde ela se fora com a avó e a felicidade que sentia no dia do Ano­Novo.

4 comentários:

  1. Marli, esse texto sempre me fez chora, eu ficava imaginando como era o frio que sentia a menina, e toda a responsabilidade que ela tão pequena já trazia consigo, isso sem falar na solidão que era sua fiel companheira... As coisas não eram pra ser assim, e se fizermos a nossa parte, algum dia tudo se ajeita, eu conto com isso...
    Sigo teu blog, ele é lindo e encantaste.

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  2. Janaina,seja bem vinda a este espaço e, considere-o seu também,é uma honra receber você aqui,ainda mais com palavras ricas sobre o post.Sabe,Janaina,eu concordo com você,até fiz um comentário a respeito,se fôssemos um povo unido mesmo,mostrar com orgulho que somos brasileiros,se todos tivéssemos coragem para denunciar os erros,com certeza tudo iria melhorar,mas como você disse esperamos ver um dia,muito próximo que tudo seja diferente.Sigo-te também.Um abraço!

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  3. Sorte desta menina, trocar um mundo tão gelado, seja na temperatura, seja no calor humano, pela mão da amada avó. Valeram os fósforos acesos. Venceu a luz.
    Marli, obrigado pela oportunidade de te encontrar e de ler este texto. Obrigado por tudo o mais.

    Um beijo muito carinhoso e um desejo de um Feliz Natal.

    Rangel

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  4. Lindo, simplesmente profundo...
    Obrigada pela partilha Marli...

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