23 de fev. de 2016

O perigo dos fogos

Em uma noite, daquelas típicas de inverno, em que se comemora a festa de São João com fogos e fogueira, havia muita gente na rua, outras nas janelas de suas casas,  era uma época em que se soltavam balões. As crianças, ficavam ao longe sob os olhares dos pais, as luzes brilhavam no céu, estouros eram ouvidos a longa distância.
Uma menininha de um ano, fora colocada em sua cadeirinha, junto à janela para poder também, ver o brilho dos fogos e saber o porquê do barulho nas redondezas. 
O tempo foi passando, a alegria era uma só, e a pequena criança sem muito entender, parecia querer ir lá fora, e junto festejar, juntava as mãozinhas e aplaudia no ar.
Em um dado momento, a mãe da pequena percebeu um grande clarão, que se fez em sua frente, não entendeu de imediato, e aos poucos tudo foi ficando escuro, e, o bebê iniciou um choro fortíssimo, a mãe, nada via para justificar tamanha dor nos gritos, mas sentiu cheiro de algo queimado, percebeu que a criança apertava desesperada a roupinha contra o pescoço, foi então, que ela notou que um buscapé ( peça de fogo de artifício que ocorre no chão, zigue-zagueando, e termina em um estampido ), estava grudado no pescoço do seu nenê. Foi um tremendo susto, e nada acalmava a criança que foi levada às pressas, ao hospital, era um tempo com menos recursos. E, assim começou a luta da pequena que sofria tanto quanto seus pais. O que agravou muito foi ter colado a roupa em uma grande área queimada, a qual ficou grudada na pele dela, e, em um local coberto de nervos e dobras. Cada ida ao hospital era como enfrentar a dor da morte de um ser especial. E, assim foi por muito tempo, cada curativo, tudo era arrancado novamente, e continuava em carne viva. Com palavras, quase não se pode registrar a dor da família. O processo de cura foi longo, a alimentação da menina, ficou comprometida, pois ela ainda mamava no peito e não conseguia forças para sugar o leite, a dor a fazia chorar e desistir de pedir o seu "mamá". Após longo período, a vida foi voltando ao normal, mas muito lentamente, aí, veio outra preocupação da mãe, a enorme cicatriz que ficaria, e com o crescimento da menina, a marca iria esticar também, e, estragaria seu lindo rostinho. Foi um tempo de muito medo, medo de perder a filha, medo das cicatrizes físicas e emocionais. O tempo passou, a cicatriz, por milagre, diminuiu de tamanho, é visível, mas não saiu do lugar, não quis esticar-se na pele da pequena, junto com o crescimento dela. A mãe sempre lhe contou como foi difícil passar esta fase repleta de medos, de choro, de contínuas orações, pedindo a Deus ajuda para aumentar-lhe a fé e a esperança, pois  sentia-se culpada pelo acontecimento e pelo sofrimento que quase a fez perder sua primeira filhinha. 
Os fogos de artifícios não deveriam existir, pois sabemos que eles continuam machucando, mutilando, trazendo sofrimento a muitas pessoas. Hoje, estou aqui refletindo como foi difícil a vida do casal, sem poder curtir o comecinho de vida da primeira filha, penso que todos perderam um bom pedaço de vida, aquele que nos faz voltar alegres para casa, e encontrar nosso bebê batendo palminhas, fazendo festa para nós. Sinto saudades da minha mãe, porque  sei o quanto sofreu para me curar, hoje a cicatriz está bem visível, e meu coração cheio de amor e saudades de uma família guerreira, pai e mãe amorosos e sempre presentes. 


Obs: A mudança da terceira pessoa para a primeira , no final do texto, foi intencional.

15 de fev. de 2016

O velho chinelo

Lembro-me da minha infância,com muita saudade,
                                                                        
quando vivi momentos únicos e que os trago comigo, até

hoje. Deles tirei 

bons aprendizados,consequentemente,maturidade.

Os Natais tinham outro sabor, literalmente, os doces, mais 

especificamente: o beijo baiano,aquelas bolachas redondas, 

cobertas com chocolate e, que nenhuma pessoa, que utilize

 prótese dentária, ousa morder.

Porém, quando elas chegavam para nós, os três irmãos, 

filhos de um casal de comerciantes,era a maior alegria, ao

 abrirmos o pacote, lembro que a pequena sala, de chão de

madeira, recendia o aroma vindo daquelas bolachas.

Meus irmãos, e eu, aprendemos cedo o que era trabalho,

o quanto era importante a responsabilidade ,e o que

deveríamos esperar da vida.

  Nada nos era dado gratuitamente, o que tínhamos era com

árduo trabalho do meu pai e de minha mãe,mas um fato 

 específico é vívido em minhas melhores lembranças de um 

passado tão diferente, tão distante da atual realidade juvenil,

em nosso país.

   Um par de chinelos gastos, pelo tempo de uso.

Suas tiras eram vermelhas, se não fossem de borracha, diria

a vocês que elas brilhavam,tamanho cuidado e higiene que 

eu tinha com ele, o meu velho e único par de chinelos,que

ficava sempre do lado de fora da porta,pois como eu o 

utilizava para meus afazeres externos, não era

comum entrarmos em casa com o mesmo calçado, assim

deixávamos os calçados sujos, do lado de fora da porta.

  A noite passou, noutro dia, minha mãe pediu para eu levar

 o leite até o vizinho,eram duas garrafas, e a casa ficava a

 uns dois quarteirões da minha.

Peguei as garrafas, coloquei-as na cesta, cobri com um 

pano, e abri a porta.

Fui pronta para calçar os chinelos, mas meus pés 

encontraram apenas o vazio,sabem aquela sensação 

desconfortável, como se um buraco no chão se abrisse, e

você fosse caindo sem conseguir se agarrar em nada?

Pois bem, foi justamente isso que aconteceu.

Meus chinelos sumiram. Exclamei em meus pensamentos,

jamais aconteceu algo assim aqui, por isso, confiávamos 

em todos,mas, sempre há uma primeira vez para tudo.

E justo comigo!

O que diria aos meus pais? Como iria entregar as compras?

Não podia me dar ao luxo de perder um calçado, não 

naquele momento, em épocas de vacas magras, como

costumeiramente dizíamos.

Eu tinha responsabilidades, e precisava entregar a 

encomenda.

Não poderíamos perder mais uma venda,a única opção foi 

calçar os sapatos de ir à missa, isso ou a galocha 

utilizada para ajudar meu pai, na lida com os animais no 

pasto.

Entrei em casa sorrateiramente, pois não queria que os 

olhos da minha mãe fossem direto para as garrafas de leite, 

ainda em minhas mãos,calcei os sapatos e saí.

No caminho, ainda inconformada, reclamei baixo sobre o

fato,ao meu lado, passava uma senhora,cabelos bem 

brancos, um xale de crochê nas costas,sorriso nos lábios, 

me cumprimentou, e, entre  dentes soltei um, bom dia.

Ela intrigada, percebeu que algo estava errado.

Indagou-me:-Em um dia tão lindo, o que a aborrece?

Não conhecia aquela senhora, não ia contar algo tão 

íntimo a ela.
,
E, se ela contasse à minha mãe?

Apenas abanei a cabeça e segui meu caminho.

Na volta, ainda incrédula, pensava em como contar sobre o

meu descuido.

Quando olhei em volta,vi um menino, deveria ter uns quatro

 aninhos.

Corria de um lado para o outro, camiseta suja, com vários 

rasgos, um calção marrom escuro,cabelos rapados,ele

 sorria e corria,mas era uma risada tão gostosa, que por um


momento eu esqueci o que havia acontecido.


Com certeza, este menino não era dali,

pois na época, meu bairro era pequeno, e conhecíamos a 

todos.

Talvez algum migrante que passava por ali,

mas, ao olhar para baixo, e perceber o que havia em seus 

pés, congelei.

Os meus chinelos, agora já sujos de terra, em seus

pequenos pés,na hora, meu sangue ferveu.

Ele era uma criança, mas precisava saber que o que fez não

estava certo.

Aproximei-me:- Olá, menino, venha aqui !

Ele parou, me olhou, e chamou pela mãe.

Uma senhora, veio lá do fundo enxugando as mãos no velho

 avental:- pois não? Ela indagou.

- Senhora, desculpe incomodar, mas os chinelos que o seu

filho está usando são meus, e,  tenho certeza disso.

Ela não sabia o que dizer. Pediu para o filho entrar.

Então, aproximou-se da cerca, e disse:- Desculpe! Eu não

agi certo.

Chegamos ontem, viemos de muito longe. Estávamos com

 fome, sede, cansados, caminhamos muitos quilômetros,

 outros conseguimos carona. Sei que a moça não tem nada

 com isso, mas só Deus sabe o quanto foi difícil para mim, e

 meu filho chegarmos aqui com vida.

- Eu entendo, mas pegar sem permissão não é o caminho –

 argumentei.

- Eu sei, porém, o meu menino, esse que você viu correndo,

 nunca tinha visto um calçado assim. Eu nunca pude dar a 

ele algo assim. O pouco que temos, mal dá para a comida, e

quando passamos em frente a sua casa, ele garrou ( sic ) os

chinelos e não quis mais largar. Como eu vou tirar de uma 

criança? Eu juro por Deus, nosso Senhor, que eu ia hoje, lá

falar com vocês. Consegui por um milagre essa família aqui

que me abrigou, eu e meu filho.Estou trabalhando agora,e 

vou pagar tintin por tintin  pelo seu chinelo. Mas, por 

misericórdia, não o tira do meu menino, não!

E, de repente, lágrimas começaram a molhar o rosto daquela

 mulher.

Ali estava uma mãe, desesperada, que passara por muito

sofrimento, com um filho pequeno e, sozinha no mundo. Só 

Deus sabia o que ela estava sentindo.

Retirei o pequeno pano que cobria as garrafas de leite e, 

ofereci para secar-lhes as lágrimas. Constrangida, ela 

agradeceu. Apenas pediu, encarecidamente para que eu 

não contasse nada à patroa dela, senão ela perderia o

emprego.

- Está tudo bem, fique com o chinelo. Não o tirarei do seu 

filho.

Abaixei-me, peguei a cesta, e continuei rumo a minha casa.

Quando uma voz já conhecida me chamou. Olhei de canto 

de olho, era aquela senhora de cabelos brancos e xale nas

costas, que conversara comigo, há pouco.

Ela falava baixo, não queria ser notada.

- Olá, menina. Agora entendi o motivo de sua tristeza. Ouvi 

toda a história.

Abaixei a cabeça.

- Não se envergonhe, disse ela. Você só tinha esse par de

 chinelos?

Assenti.

- Essa mulher com quem você acabou de conversar, nunca

 soube como é a maciez de um chinelo como o seu, só tem

 calos e bolhas nos pés, mal escondidos por um sapato 

velho e rasgado. Seu pequeno, o menino, que há pouco

 sorria e se divertia, nunca teve o prazer de experimentar a

 maciez da borracha protegendo as solas dos seus

 pequenos pés, da ardência do chão.

Essa casa é minha, era de minha família, voltei morar aqui 

ontem mesmo, e recebi essa senhora e seu filho porque 

preciso de ajuda, mas eu não conhecia a história dela, ainda

não tive tempo para conversar.

Vamos fazer uma coisa? Venha comigo ao 

armazém da vila, vamos comprar roupas e sapatos

para essa mãe e seu filho!

Ela estava tão empolgada, que eu não tive como negar. 

Apenas passei em casa e tranquilizei minha mãe. Entreguei 

o dinheiro do leite e segui com a bondosa senhora.

Ela comprou muitas roupas.

. Voltamos, o sol estava se pondo.

- Gostou da nossa tarde, menina?

- Muito! – exclamei.

- Espere, isso é para você.

Olhei para a mão da senhora, uma caixa amarela se 

destacava.

- Tome, abra!

Abri, dentro, um par de chinelos.

Olhei para ela, devolvendo a caixa, pois não podia aceitar.

- Você vai aceitar. É o meu presente para você. Aprenda:

quem ajuda, é ajudado.

A Lei Divina é assim. Hoje, você sairá daqui com uma lição

apreendida: a vida é um ciclo.


Ninguém que dá amor recebe pedras,você aceitou as

desculpas daquela mãe, e deu o seu único par de

chinelos àquele menino. Devolvo os a você!

Ela entrou, fiquei um tempo com a caixa nas mãos olhando 

lá dentro, pela janela, um pequeno menino continuava

pulando, ora abraçando sua mãe, ora se escondendo atrás 

do sofá.
L




2 de fev. de 2016

Tempo doado é caridade

Hoje, precisei me apressar para sair do carro e correr para me abrigar sob a marquise, pois a chuva veio sem tréguas. Procurei saber que horas eram, e enumerei em minha cabeça tudo que eu tinha que resolver e, com horário espremido, fiquei ali, quase como uma estátua, sem ao menos olhar quem estava ao meu lado, também se escondendo da chuva.
Só pensava em meus problemas, meu valioso tempo. Muita gente, apesar da chuva ia em frente, carros que passavam respingavam água em tudo, eu já estava muito impaciente, e deixei de ser estátua, virei a cabeça e olhei ao meu redor, havia uma família acampada sob a mesma marquise que eu, imagine eu  perdendo a paciência por ficar alguns minutos ali, sabendo que tudo iria passar, o sol voltaria, e eu voltaria para minha casa, chuveiro quente, cama e teto.
Comecei a observar aquelas pessoas, havia o casal, duas crianças pequenas e dois cachorros.
A situação me deixou constrangida, senti vergonha de mim mesma, resolvi saber um pouco sobre a família.
Contaram- me que trabalhavam juntando papelão e latinhas, precisavam trabalhar muito para ganhar o suficiente para a comida. As duas crianças ficavam na creche, estavam com eles agora, devido ao período de férias. 
Perguntei se não ficavam com medo pelas crianças, dormindo ao relento, sentindo o frio, o respingar da chuva. O senhor, do qual eu já sabia o nome, seu Teodoro, disse-me que sempre procuravam por lugares que achavam ser seguros. Ele me contou que fora um jogador compulsivo, e junto vinha a bebida, assim, o pouco que tinham ele perdeu. Por isso, me contou com lágrimas nos olhos que se arrependia pelo seu passado, pois era o culpado de estar na rua com esposa e filhos. Perguntei sobre o restante da família, ele me disse que morava em outra cidade, mas por vergonha, mudou. A esposa, que estava quieta, quebrou o silêncio e me disse:
-Rezo muito para que  Deus nos dê outra chance, de termos a nossa casinha e que meus filhos tenham uma cama quentinha quando voltarem da escola.
O seu Teodoro, me olhou firmemente e disse:
-Sabe, com meus erros enormes, aprendi muita coisa, estou pronto para reparar tudo, basta Deus me ajudar. 
Quando percebi, a chuva havia passado, o sol estava brilhando e, eu ali, "perdendo meu precioso tempo". 
Meu celular tocou , mas não me deu tempo de atender, parece que era para me avisar de algo. De repente, lembrei da conversa com minha família, há dois dias, na hora do almoço.
Um vizinho precisava de uma família para cuidar da chácara para ele. A mulher deveria cuidar da casa e jardim, o homem o restante, os filhos teriam escola, pois o ônibus escolar passa na frente da chácara. Minha alma estava em festa, pois eles aceitaram, mas o que fazer agora, o lugar ficava longe. Então.....
Coloquei toda aquela gente no meu carro, (pequeno),mais os cachorros, e os levei até o endereço que eu conheço, pois somos vizinho de chácara. Acreditem, deu tudo certo, parece que eu tinha um encontro marcado com aquela família. Meu tempo?
Aprendi que a maior caridade é o seu tempo doado, pois ele é seu, e não volta mais a você. 

A carta que nunca chegou

    Tarde cinza, vento forte fazia os galhos das árvores dançarem no jardim. Eu precisava finalizar a mudança que começara há dois anos,...